A imagem de Santo Expedito é conhecida por muitos: um soldado romano, segurando em na mão direita uma cruz sobre a qual está escrita a palavra “hodie”, na mão esquerda uma palma (símbolo cristão do martírio, pois, segundo uma crença popular, a palmeira frutifica pouco antes de morrer) e pisando sobre um corvo negro que diz “cras”. Segundo se conta, o demônio queria impedir que Expedito, um centurião romano, se convertesse ao cristianismo e, para fazê-lo, assumiu a forma de um corvo. Sob essa forma, ele tentou o romano dizendo “cras”. Cras é o ruído que os corvos fazem, mas é também amanhãem latim. O santo, então, decidido a não adiar sua conversão, diz: “Cras non, hodie” (amanhã não, hoje), o que faz dele o padroeiro das causas urgentes. Procrastinar: deixar para amanhã.
A procrastinação é um grande erro: geralmente procrastinamos aquilo que é penoso ou desagradável (e geralmente antecipamos o que é prazeroso, como mostra a famosa experiência do marshmallow), mas deixar algo para amanhã não irá tornar a tarefa algo mais fácil de se realizar. Geralmente é o contrário que ocorre. Quando você não lava os pratos em que comeu e as panelas em que cozinhou no mesmo dia, se não os deixa de molho, eles serão mais difíceis de limpar amanhã, quando a comida tiver ressecado. Deixar de ter uma conversa desagradável com alguém hoje geralmente não resolve a situação amanhã, apenas agrega ansiedade e sofrimento mental ao problema: você continuará a ter que conversar com a pessoa, só que agora terá sofrido por mais tempo enquanto a conversa não ocorria. Por que, então, procrastinamos?
O fato de algumas tarefas serem penosas é parte da resposta. Ninguém gosta de realizar aquilo que lhe desagrada, mas se essa é a razão para procrastinar, isso revela certa imaturidade: faz parte do amadurecimento de alguém compreender que nem todas as nossas atividades são prazerosas, e que não ouviremos “sim” para todos os nossos pedidos.
Alguns acreditam que, se não fizermos as tarefas desagradáveis nós mesmos, alguém as fará em nosso lugar; outros acreditam que determinadas tarefas não têm importância, e por isso não precisam ser realizadas. São duas falhas diferentes. A primeira é uma má-avaliação acerca do nosso valor e do valor de outras pessoas. Quem pensa que determinadas tarefas devem ser feitas apenas pelos outros revela no fundo um certo desprezo por quem acaba as fazendo. A segunda falha é uma falha de avaliação com relação ao que de fato importa: considerar que determinadas tarefas como inúteis é avaliar mal a própria realidade (quem pensa que lavar os pratos não importa avalia muito mal o que produz conforto e saúde).
Existem ainda aqueles que creem que determinadas tarefas são importantes mas acabam nunca as realizando. Acho que, para compreender tais pessoas, devemos perceber que elas simplesmente confundem as coisas importantes com outras coisas (por exemplo, com coisas urgentes). As coisas urgentes são aquelas relacionadas à sobrevivência de algo com qualidade. Se você não se alimentar hoje, se você não prover os recursos necessários para se alimentar hoje, se você não trabalhar para prover os recursos necessários, você não sobreviverá. Se você não limpar os pratos e panelas hoje, será mais difícil fazê-lo amanhã, e micróbios e animais nocivos vão se proliferar em sua cozinha. Urgência é um critério temporal. As coisas importantes são de outra ordem. Algo é importante se representar uma grande diferença na vida das pessoas. Estudar, por exemplo, não é urgente (Não faz muita diferença se você começa um curso superior hoje ou só daqui a um ano), mas é algo importante (fará muita diferença para sua remuneração e para a imagem que você e os outros têm de você). Mas, se você faz um curso superior, preparar-se para uma prova pode ser urgente (a prova não vai esperar por você se sentir preparado para ela), mas, se você já está aprovado na disciplina, pode haver outras situações mais importantes do que estudar para essa prova (uma entrevista para uma bolsa de intercâmbio, por exemplo). Quando avaliamos a importância das coisas, devemos nos perguntar se aquela tarefa terá algum impacto em nossa vida. Coisas que farão pouca diferença em nossa vida não são importantes (por exemplo, se você perguntar se passar muito tempo em um videogame fará diferença em sua vida e responder a si mesmo que não, então essa atividade não será importante para você, ainda que seja muito prazerosa). Quando avaliamos a urgência, devemos perguntar se faz diferença quandoiremos realizar a tarefa (por exemplo, se você perguntar se faz diferença ligar para alguém hoje ou se pode deixar para amanhã e a resposta for que não faz muito diferença, provavelmente não se trata de algo muito urgente).
As coisas urgentes nos colocam no piloto automático. As coisas importantes, por outro lado, exigem de nós intencionalidade. Se você se cortar, instantaneamente você tentará estancar a hemorragia com a mão, sem pensar muito no que está fazendo. Isso é algo urgente. Chegar ao emprego na hora certa também é algo urgente, e você faz isso sem pensar muito. Mas as coisas importantes, por outro lado, exigem de nós que pensemos não somente qual é o fim que desejamos alcançar e os meios necessário para isso, mas também porque esse fim representa algo para nós.
Diferenciar o que é importante do que é urgente é fundamental para termos uma vida bem sucedida, pois as coisas urgentes são a grande inimiga das coisas importantes, e reconhecer que determinadas coisas não são de fato urgentes deixará tempo livre para fazermos o que realmente é importante. É preciso privilegiar o que é importante, mas isso não significa que você deve se dedicar apenas ao que é importante, mesmo porque há coisas importantes que são também urgentes. Por exemplo: se você sofrer um corte profundo, estancar a hemorragia é ao mesmo tempo urgente (tem que ser feito agora, não depois) e importante (se não for feito, você morrerá).
Como equacionar, então, as coisas urgentes e as coisas importantes? Para resolvermos esse problema, é preciso classificar as coisas importantes e as coisas urgentes (e também classificar em ordem de importância as coisas urgentes e em ordem de urgência as coisas importantes). Em uma escala de 1 a 5, se algo tem importância 5 e urgência 5, deve ser feito imediatamente. Mas pode ser melhor se dedicar primeiro a algo que tem importância 5 e urgência 1 do que a algo que tem urgência 5 e importância 1, porque senão pode nunca sobrar tempo para a primeira tarefa (note que não incluí nesse exercício o valor zero: nada é absolutamente destituído de urgência ou de importância).
A pergunta “Como não procrastinar?” vai receber, então, uma resposta estranha: cada vez mais exigem-se tantas atividades de nós (família, escola, trabalho, namoro) que talvez seja impossível não procrastinar algo. Mas se você tiver claro o que é importante e o que é urgente, talvez você possa escolher melhor que tarefas pode deixar para amanhã sem se prejudicar e sem prejudicar outras pessoas. Pense em santo Expedito, para quem a conversão era ao mesmo tempo o que havia de mais urgente (pois não sabia quando iria morrer) e mais importante (pois garantiria sua salvação). Cras non! Hodie!
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