Jacques Ellul é dos pensadores mais interessantes do século XX. Nascido na França em 1912 e morto em 1994, um dos inspiradores do decrescionismo (teoria segundo a qual, sendo limitados os recursos naturais, a economia não precisa crescer, mas, ao contrário, diminuir, se quisermos que nosso planeta, e a própria economia, sobrevivam), foi professor de Sociologia Jurídica, Filosofia do Direito e Direito Romano, e escreveu sobre técnica e sobre cristianismo. 

A editora Palavra traduziu seu livro O Homem e o Dinheiro. A tradução e a editoração é irregular. Os capítulos 3 e 5 estão cheios de erros de digitação, alguns comprometendo a compreensibilidade do texto. Na página 163, por exemplo, a tradução diz “Jacques nos diz também que…”. Deveria ser Tiago. E na página 156, anunciam uma nova epístola de Paulo (II Coxeei). A revisão desses dois capítulos foi muito mal feita, o que me leva a inferir que, sendo dois tradutores, um se dedicou aos capítulos 1, 2 e 4 e outro aos 3 e 5. Como meu exemplar é de 2008, talvez a editora tenha corrigido posteriormente o texto Apesar disso, o pensamento de Ellul vale à pena ser conhecido. Não é um livro muito fácil, porque a análise é realmente profunda e, eu diria, desconcertante. 

Jacques Ellul afirma que há uma tensão aparente entre o Antigo e o Novo Testamento na Bíblia quando se trata de dinheiro. Aparentemente, a riqueza é uma benção no Antigo Testamento (pelo menos no que diz respeito a Abraão, Jó e Salomão) e uma maldição no Novo Testamento. A tese do autor é simples: na verdade, o que é considerado uma benção na Bíblia é a riqueza, enquanto o dinheiro é uma maldição. Note que a riqueza no AT é sempre fruto da benção de Deus, enquanto o dinheiro representa um esforço humano para obter e conservar a riqueza sob a forma de dinheiro, e, em última instância, um esforço humano por não depender de Deus. Com relação ao dinheiro, há o problema da ética de sua aquisição e da ética de seu uso, que nos poderiam enganar sobre a natureza do Dinheiro. Para Ellul, o Dinheiro não é neutro (depende do modo como é adquirido ou usado), mas mau em si mesmo. Não por acaso Jesus o comparou a um Deus, Mamon. A figura é interessante, porque ensina que o Dinheiro (Mamon) não é um objeto, mas um sujeito, uma pessoa (um deus) com quem fazemos um pacto, que nos controla e nos submete, fazendo crer no seu poder de nos garantir um determinado futuro. Por isso, a maneira de profana-lo, de romper seu domínio sobre ele, é fazendo exatamente o que ele pede que não façamos: ao perdermos o amor pelo dinheiro e ao doá-lo, nós subvertemos sua lógica, nos libertamos de seu domínio sobre nós. Essa nova ética do Dinheiro (que o nega em sua essência de mecanismo de acumulação de poder) exige uma pedagogia, pela qual as crianças, ao serem expostas ao seu poder e ao exemplo dos pais, pode se libertar de sua influência. Essa nova ética envolve um novo olhar sobre o pobre. Jesus se fez pobre, colocou-se de um lado da história, não como classe, mas existencialmente. O pobre vive na dependência de Deus. E sua presença no mundo coloca questões ao rico: por que existem pobres? Como consolá-los? Não se trata de doar todos os seus bens aos pobres, como pensava Judas Iscariotes (ainda que este também tenha sido o conselho de Jesus ao jovem rico), mas de modificar sua relação com ele, tornando-se testemunho de um Reino que não se pauta pelo poder de Mamon.

Nota: 3,5 em 5 (mais pelo conteúdo que pela qualidade da publicação)

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